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A Adufpi reitera a análise do escritor Ignácio de Loyola Brandão

Ministro, peça desculpas aos professores

Ministro, peça desculpas aos professores

Ministro Milton Ribeiro, deixe-me apresentar. Sou escritor, publiquei 46 livros, jornalista desde 1952, hoje cronista e pertenço a duas Academias, a Brasileira e a Paulista. Este breve curriculum se deve a que? Aos professores que tive. Todos de primeira linha, dedicados, cultos, apaixonados. Desde 1975, junto a outro escritor e acadêmico da Brasileira, Antonio Torres, atravessamos o Brasil. Convidados por professores, discutimos a formação de leitores e literatura. Estive várias vezes no Mackenzie, sua escola, levado por quem? Por professores que adoram seu oficio.
Ao longo destes 50 anos conhecemos e nos relacionamos com mais de dois ou três mil professores que desdenharam outras profissões. Poderiam ter sido médicos, engenheiros, advogados, ministros, astronautas, cientistas, artistas, executivos, banqueiros, e daí em diante. Preferiram ser mestres. Ninguém vai ser professor sem paixão pelo ensino.
Deste modo, ao ler sua entrevista neste jornal, recentemente, levei um susto com sua escorregadela: “Hoje ser professor é ser quase que uma declaração que a pessoa não conseguiu fazer outra coisa. “Ou seja, são pessoas que fracassaram. Em seguida, percebendo, o senhor tentou consertar: “É preciso a gente olhar com carinho maior para os professores.” Ou seja, uma no prego e outra na ferradura, Um tapa, um beijo. Afago e beliscão.
Existem zilhões de profissões. Mesmo asssim, o que se deprende de sua fala é que milhões acabaram sendo professores por incapacidade, preguiça, deficiencia mental, incompetência, ignorância, burrice, analfabetismo? Exagero?
Como escritor, trabalhando com a imaginação exacerbada, conhecendo o absurdo da realidade tornei-me, segundo me definem curiosamente, “vidente”, profeta. Está em meu livro “Desta terra Nada Vai Sobrar…”, publicado em 2018: “O Ministério da Educação foi eliminado, porque o governo decidiu que quem quiser estudar, estude onde quiser, como quiser, como puder, onde conseguir, se tiver vontade.” Antecipei Bolsonaro e o desmantelamento do Ensino. Há dois anos vivemos o caos educacional.
O senhor, Ministro, pertence a uma escola de elite em São Paulo, reconhecida pela qualidade. Quer dizer que os professores que dão aulas ali, e em todas as escolas do estado, do país, foram dar aulas porque não acharam mais o que fazer? Ou é gente que sonhou e se formou para isso, estudou, batalhou à exaustão, conseguiu nível de excelência? Ou porque idealizaram mudar cabeças, melhorar o país e isso se consegue com educação?
Sei – e o senhor sabe – que o número de professores no país, em 2017, passava de 2,5 milhões, segundo revelou Carolina Gonçalves da Agência Brasil. A maior parte dos professores é da educação básica, seguindo os do ensino superior, além mais os que estão na zona rural.
Será que este número enorme é de gente que não conseguiu outro trabalho? Não puderam ser célebres no cinema, nem cientistas, caminhoneiros, artistas, garis, bombeiros, mestres de cozinha, modelos, publicitários, jornalistas, bailarinos, futebolistas, taxistas, assessores de políticos, de imprensa horticultores, balconistas, metalúrgicos, motoboys, vidraceiros, caftens, marceneiros, pedreiros, chapeiros de hamburguer, agrimensores, bicheiros, pianistas, donos de papelaria ou de pastelaria?
Andou pelo Brasil, Ministro? Saiu dessa confortável poltrona em que o vejo sentado na foto do jornal? Esteve nas escolas rurais de Pirenopolis, interior do Goiás, onde professoras madrugam para dar aulas a filhos de camponeses? Embarcou nos barcos bibliotecas que partem de Macapá levando livros para escolas ribeirinhas sobre o Amazonas? Esteve com as professoras que conseguiram ensinar alunos rebeldes, tresloucados, filhos de marginais, na “Casa Meio-Norte em Teresina, hoje modelo premiado? Esteve – como estive – na escola da aldeia dos índios da tribo Canindé, no Ceará e viu os jovens mantendo tradições e manipulando computadores com o pé no futuro? Ou acha, como o presidente, que os indios estão só queimando matas? Conviveu com professors dando aulas ao ar livre em Rio Branco, Acre, rodeados por jovens?
Testemunhou o trabalho monumental, voluntário dos professores que a cada ano são voluntários nas Feiras de Livros de Ribeirão Preto que chega a sua 20a edição? Ou do esforço feito em Passo Fundo pelas Jornadas de Literatura de Tania Rösing e sua equipe. Jornadas extintas por dificuldades financeiras. Assombre-se, elas reuniam em cada sessão – e eram três por dia – seis mil professores formadores de leitores.
Ministro, não ignore o fundamento de uma nação, o professor. Esse que é mal pago, desconsiderado, violentado, processado por pais, agredido por alunos. Sou escritor por ter tido professores dignos. Percorra a nossa história e verá quantas figuras fundamentais (ou não) foram formadas por eles. Peça desculpas a esta gente, base da nação. Seu cargo é mais importante que o do presidente da nação. Não misture alhos com bugalhos, libere-se dos preconceitos e entre para a história colocando ordem na casa.

28/09/2020 por Ignácio de Loyola Brandão